Permitam que me apresente.
Nasci nos anos 90 com todos os sonhos do mundo. Até ver, nada fiz. Mas guardo ideias e projectos na memória. Guardo também revoltas, mas isso é outra história.
Sei que sou pouco e que pouco sei. Compreendo quando não me levam a sério, a sério. Por ser novo, por ter pouco tempo de vida. E sei que sou ínfimo, mas saibam que não o sou sozinho. Quem sou eu para vos perguntar mas quem são vocês para me subestimar? ”Do pó vieste e ao pó voltarás.” Vamos juntos?
Cresci numa época de transição. Do analógico para o digital, do real para o virtual. Numa época que nunca se chamará época, que no futuro será ofuscada pela rudimentaridade retrógrada da anterior e pela tecnologia evolutiva da posterior. Nos livros de História será descrita como “período de desenvolvimentos tecnológicos” e será folheada rapidamente. Isto, se houver História. Pior: isto, se houver livros.
A educação e a infância de há uns anos para cá mudou drasticamente. Os meus pais sabiam dos rios e eu mal sei se me rio. No telejornal via-se o homem subir à lua e hoje vê-se o homem cair por terra. Não se brinca ao macaquinho do Chinês, mas compram-se aparelhos vindos da China. Os miúdos encontram consolo em consolas. Já não levam cordas de saltar para os recreios. Não sabem fazer um quantos-queres. Não mandam bilhetes amorosos e propostas de namoro. Falam online e namoram por likes. São educados por ecrãs e crescem pela internet. Faltam-lhes remendos de ganga nas calças, dos joelhos esfolados, cabelos despenteados e unhadas na cara. Sapatos rotos e pensos pelo corpo. Crescem sem nunca ter metido as mãos na boca depois de ouvir um palavrão, imaginas?
Já nós não somos miúdos e ainda não somos exemplo. Não vivemos sem telemóvel e o que não percebemos é que não vivemos com telemóvel. As redes sociais a que estamos expostos são cor-de-rosa. Partilhamos segundos felizes para esconder vidas que passamos tristes. Todos querem rir e ninguém quer pensar. Somos a geração mais facilitada e mais preguiçosa. Estamos rotinados e acríticos. Se assim continuarmos, cessem as preocupações dos robôs que substituem os humanos e comecem as dos humanos que substituem os robôs.
Sobrevivi a mais do que um fim do mundo, se bem que cada vez mais para lá caminhamos. Abraçamos o que mata e matamos o que vive. Caminhamos para a morte porque é mais cómodo (sobre)viver num mundo com grandes fábricas, carros para todos e móveis bonitos. Somos contra a poluição, desertificação e desmatamento. Quer dizer, não somos. Mas dizemos que sim. Dispensamos os factos das reportagens alarmantes como se desligássemos o despertador aos fins de semana. “Hoje não estou para isso, deixa-me (morrer) em paz.”
Sei que sou pouco e que pouco sei. Não penso muito ou penso demais. Compenso com banalidades. Sou um mero leitor de dias chuvosos e um mísero filósofo de insónias. Só atinjo a sobriedade depois de beber uns copos. De resto, ando à deriva. Não gosto de dinheiro mas gosto da segurança que me traz. Não sou metódico e deixo as coisas para a última da hora. Sento-me à frente da secretária e espero pelas palavras que não se escrevem enquanto me assumo como narrador da minha própria vida. Enquanto percebo que o acessório se tornou essencial e o essencial acessório.
Os miúdos andam de calças para baixo e eu ando cabisbaixo.
E ando a suspirar mais vezes.
Permitam que me apresente. Há quem me chame ignorante. Há quem me chame demente.