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7 Pecados Mortais

Tive a gula de contigo partilhar o que quer que fosse,
mesmo refeições quando não tinha fome.

A luxúria de te querer em todos os momentos,
especialmente quando partias.

E a preguiça...
A preguiça de a ti para sempre permanecer abraçado.

Guardo agora inveja de quem já te teve
e ganho cólera a quem te terá.

E carrego o orgulho de minha teres sido
tanto como a ganância de minha voltares a ser.

Estes são os 7 pecados mortais
e é certo que hei de acabar no inferno.

Mas não temo o meu fado
e confesso-te porquê num último gesto terno:

Enquanto te tive,
no Céu estive.

Para Sempre

Que no impasse exista instinto,
Que no tédio se sinta agitação.
Que na improbabilidade vingue a certeza,
Na rotina viva a disrupção.

Que na vida procuremos estímulo,
E na sanidade sempre haja loucura.
Façamos dos nossos dias memoráveis,
Não exista para a nossa felicidade cura.

Enquanto cá estivermos,
Que deixemos por onde passamos,
Pequenos traços nossos,
Em todos com que nos cruzamos.

E mesmo que não o saibam,
Mesmo que não o saibamos,
Assim seremos eternos,
Embora Nascidos humanos.

Segunda-feira

Hoje cheguei atrasado ao trabalho porque houve uma pessoa que se mandou para a frente do comboio.

(Os suicidas costumam escolher as segundas-feiras para tirarem a própria vida.)

Pensei sobre isto já algumas vezes - e sempre chego à mesma conclusão.

(Os suicidas)
Não devem encontrar
Nem nesta semana
Nem na vida inteira
O que encontro contigo
A cada momento.

Ou pior.

Talvez o tenham encontrado
E depois o tenham perdido.

Deitamo-nos cedo

Deitamo-nos cedo e dormimos juntos. Eu durmo mal e pouco – passados tantos anos já esperava que assim fosse - e vou à cozinha e faço um chá. Vens ter comigo e fazes outro – desde que nos conhecemos que bebemos chá juntos.

É de madrugada e devíamos estar na cama mas consolas-me o sono e vemos televisão. Há uns dias voltei a dormir mal mas fiz-te uma surpresa e encomendei um robot das Televendas - ainda não to disse mas deve estar a chegar. (E ainda não to disse mas quero fazer-te surpresas para sempre.) Pareceu-me bom mas não percebo muito, espero que gostes. Tenho boas intenções mas às vezes passo ao lado, eu sei. Esta minha cabeça já não é o que era, sabes?

Mas não faz mal, não me importo, até gosto. Foi assim que nos imaginei: velhinhos.

Velhinhos porque os velhos fumam muito e andam mal-humorados, e os velhotes são melhores mas têm demasiados problemas de costas. Já os velhinhos caminham lentamente, sorriem sem razão e ocupam mesas nas pastelarias durante horas. Vamos ser velhinhos.

Vamos usar óculos com fundo de garrafa e quando lermos fá-lo-emos devagar (tudo o que fizermos vai ser devagar). Podemos ler poesia, que se faz bem em ritmo lento, ou outra coisa qualquer, decide tu. Se quiseres lemos todas as coisas que te escrevi ao longo da vida, a minha tua obra inteira - na altura já não devo ter pudor. Cartas, recados, mensagens, manifestos… Livros, talvez, não sei. Sei que gosto de recordar e hei-de ficar radiante em lembrar-me do que já fomos. Depois escrevo-te sobre isso.

Vamos passear sempre que quisermos e todos os passos que dermos serão ponderados. Pretendo caminhar muito, numa mão levar a bengala e na outra para sempre levar a tua.

Vamos correr os parques e comer os gelados que nos apetecer, quando nos apetecer. Vamos alimentar pombos só para os podermos afugentar. E patos para os observar. Vamos apanhar flores dos canteiros sem que nos digam nada. Ou então vamos plantar nós as nossas. Margaridas, de preferência. Sempre margaridas, de preferência.

Depois descansamos e apanhamos sol - sei que adoras apanhar sol mas eu fico do lado do banco com sombra que já não tenho pachorra para sofrer com o calor - afinal aquela história do aquecimento global era verdade e só aguento esta torra porque estou contigo.

Vamos ter filhos sem paciência para nós mas netos que adoram visitar os avós. Vou encorajar os miúdos a namorar e proibir as miúdas de fazerem o mesmo, enquanto lhes preparas um lanche demasiado grande para os seus pequenos corpos. Não quero parecer antiquado mas toda a gente sabe que o trabalho de uma avó é engordar os seus netos. E se quiseres trocar e ser tu a conversar, vou à mercearia aqui do lado e compro-lhes chocolates que tão bem como tu nunca soube cozinhar e quem já experimentou dos teus lanches não quer mais outros.

Não te chateies mas que fique assente: vou deixar os miúdos usarem a desculpa de que morri para adiarem testes e trabalhos da escola, da faculdade e até do emprego. Enquanto estiver vivo que digam sérios que morri. E quando morrer que o digam sorridentes.

Quando estivermos cansados jantamos uma sopa antes da hora de ir dormir, por volta das 19h30 da tarde. (Pode ser sopa de tomate com croutons?) Ou então vamos jantar ao Bingo, se não fizeres cerimónia, como nunca fizeste. Falaremos alto (lembra-te que ouvimos mal) e vão-nos mandar calar uma data vezes mas não ligamos. Um dia somos expulsos mas se formos juntos não me importa.

E ao fim do dia, se estivermos aborrecidos e o sono não chegar, mal haja barulho à noite chamamos a polícia. Dramatizamos a conversa e pedimos-lhes que prendam os delinquentes que nos incomodam - já não dá para descansar em paz às nove da noite. Encaminhamo-los à saída e fechas a porta. Sorris-me com um ar cúmplice de quem acabou de fazer asneiras porque acabámos de as fazer juntos e sabemos perfeitamente mas nunca o vamos contar. Há muitas coisas que sabemos perfeitamente mas nunca vamos contar.

Depois vou à cozinha e faço um chá. Vens ter comigo e fazes outro. (Desde que nos conhecemos que bebemos chá juntos.)

Jogamos à forca e vamos dormir.

“Bons sonhos. Dorme bem.”

Vou adorar a minha reforma.

Mas só se a passar contigo.