Não foi um ano fácil, sabes?
Para mim. Para a nossa geração. Para o nosso país. Estamos politicamente inseguros e economicamente fracos. Seja, escuso de andar com rodeios. Não sou político nem o pretendo ser. Estamos desorganizados e pobres. E não vamos na direcção certa.
Reparaste no que se passou nos últimos anos?
A emigração aumentou e a natalidade diminuiu. É triste, não é? Temos pessoas a fugir do país e falta de bebés. Falta de estabilidade (e de coragem) para bebés. Permite-me a aliteração: que fado fatídico.
E eu rio-me. E não estou maluco. (Estou sim, mas só por ti!) Rio-me porque é irónico. É que aparentemente os meus sonhos são os pesadelos de outros.
Sonho em casarmos e vivermos cá. E termos os putos cá e que cá cresçam eles. Trabalhar por aqui e engrandecer o país. Levar os miúdos à escola e fazê-los crescer com os nossos, sabendo eu que lhes dei das melhores condições possíveis. Que cresçam sem dúvida do privilégio que é falar português. O país já viu melhores dias - e piores, lembra-te que descendemos de heróis - mas temos a língua mais bonita do mundo e só não o percebe quem é (ou se faz de) cego e surdo. Que cresçam com orgulho em si, no seu passado e no seu país. Vamos ser os doidos que fazem 30 por uma linha porque decidiram ter uma equipa de futebol na família. Que se meteram entre a espada e a parede e saíram por cima.
E eu sei que sonho alto, escusas de mo dizer. Mas tem de ser. Sabes qual é o problema da nossa geração? Andamos cheios de sono e vazios de sonhos. É que já sabemos que podemos fazer qualquer coisa. Foi provado que tudo está ao nosso alcance pelo que não precisamos nós de o provar. Conquistámos os meios e foi esse o nosso fim.
Temos heróis mas não queremos ser como eles. Gostávamos mas não queremos.
Usamos as palavras erradas. Dizemos coisas da boca para fora. Afirmamos que temos fome, que queremos qualquer coisa e que estamos apaixonados por não sei quem. É mentira. Eu sei que nunca passei fome, nem quis desmedidamente e muito menos me apaixonei, garanto-te que o havias sabido. Atravessaria mundos e fundos e estaria nas bocas do mundo. Daria que falar e falariam de mim. E quando perguntassem (e perguntarão, espera para ver): “o que é que se passou? enlouqueceu?” “sim, porque tinha fome.” “sim, porque quis.” “sim, porque se apaixonou.” Muito afirmamos e pouco nos afirmamos.
Somos a geração que deixou de ler e não sabe cozinhar. A geração que vive confortável em vez de viver apaixonada, que diz que desproblematiza quando apenas se conforma. Não dizemos bom dia e sorrimos menos. A privacidade e a intimidade andam de mão dada mas nós não. Gastamos dinheiro para ficarmos presos a ecrãs. Se os gigabytes do teu telemóvel fossem anos de prisão, querias quinze de sentença?
Vá, procuremos ter alguma coisa a que nos agarrarmos que não seja virtual. Na outra noite fomos os dois beber um copo e estava implícito que não se mexia nos telemóveis. Trocámos histórias, ganhámos memórias e perdemo-nos nas horas. E eu devia ter vergonha de te levar tarde a casa mas só posso ser parvo porque o repetia sem hesitar.
Mas pronto, disso falamos depois. Agora tenho que ir. Não vou ter exames mas tenho que ir. Estudar, pensar e planear. Estou cá eu e ainda tenho vida pela frente. Se não fizer nada pelo país, quem o fará.
Não foi um ano fácil, sabes?